O que seria a Felicidade?
Em minhas viagens solitárias, prefiro hospedar-me em locais com circulação de pessoas alegres, de todas as idades e despojadas como normalmente encontro nos hostels (mais genuínas talvez?) e fico a observar expressões faciais, empolgações e, por vezes, ouvir alguns ricos diálogos, além de economizar dinheiro. Há alguns anos, eu estava a tomar meu desjejum num café de um pequeno hostel, onde me hospedara em Berlim, e sentaram-se ao meu lado um casal muito amoroso e um outro senhor que parecia-me um grande amigo do casal, daqueles encontros que não queremos desgrudar tal a eloquência do diálogo quase apneico da mulher com o amigo, observado pelo “marido” desta, com olhares e sorrisos serenos, por ver sua “esposa” tão alegre no filosófico debate. Escolheram a mesa ao meu lado para sentarem-se e como o local estava cheio, o marido ofereceu-se para ficar à mesa enquanto os dois outros iriam buscar o que queriam para o café-da-manhã num buffet, sem perder um segundo da animosa conversa. O casal de amigos regressa à mesa, ela dá um beijinho carinhoso na face do marido que agora sairia para buscar seu pão e café sozinho no buffet. Não prestei muito atenção no tema de conversa tal era a profusão de ruídos no local, mas quando o marido, sorridente se aproximava da mesa vendo os amigos tão eufóricos a conversar, eis que a mulher, percebendo seu marido aproximar-se mas sem olhar para ele, vira-se para o amigo e diz “ Portanto, ESTE É O VERDADEIRO SENTIDO DA VIDA!”.
O marido senta-se com o ar mais pleno de felicidade por perceber que sua esposa, provavelmente pela milésima vez, utilizara deste pretexto para mostrar o quanto ela era sábia, o quanto seu amigo admirava sua conversa, e plena de si, como um casal que se amavam tal a cumplicidade que se comunicavam com olhares e pequenos sorrisos e gestos. Tocavam-se carinhosamente mesmo sem intenção tal era o hábito conhecido do movimento do corpo de ambos. Encheu-me de alegria e claro, adoraria tê-los conhecido mas fiquei feliz pelo encontro e me bastou. Este simples vislumbre (os ingleses usam muito a palavra “glimpse” que também cativa-me),não é percebido por todos. Poderia um escritor imaginar todo um romance desde o encontro destas personagens na infância, adolescência, imaginar afastamentos e reencontros que culminasse neste “à vontade” e cumplicidade de amor. Não se conseguem estes momentos se não estamos libertos de corpo e alma. E mesmo para o perceber. Tanto Sigmund Freud como Wilhelm Reich estudaram neuroses e concluíram serem fruto de libido reprimida ou repressão de energia sexual. Diziam até que àquele que consegue um canal de saída da energia sexual não consegue sustentar uma neurose. E esta autorregulação propiciaria a cada um viver mais livremente na sociedade, agindo com espontaneidade às situações. Um indivíduo relaxado e sem contrações musculares(fruto de suas inconscientes repressões, julgamentos e neuroses), seria o objetivo de cada ser humano para viver mais intensamente a sua verdade, a sua vida, a construção de seu “Ego” mais sintonizado com sua individualidade e não em apresentar e manter uma “Persona” aceitável, moldada à sociedade onde se insere. Construído este Ego único, conquistar então a liberdade da rigidez para uma porosidade tolerante para com o outro. Este ser assim, afasta-se da inveja, da fofoca e do julgamento alheio bem como torna-se mais tolerante e amoroso consigo mesmo.
Talvez seja este um dos caminhos que deveríamos buscar. Um corpo profundamente relaxado amando-se para uma vida plena.