Minha última noite em Edimburgo, mesmo sem fome sou
levado a caminhar uma última vez pelos becos e vielas desta
cidade medieval, para um último jantar. Quase que guiado por
meu subconsciente, mais uma vez chego a Grassmarket palco de
um grande mercado antigo e também de execuções de
“hereges” lembrados em mais de 100 nomes numa lápide. Passo
por alguns pubs e vejo mais uma vez o Last Drop (originalmente
uma taverna que o nome representava o último gole de bebida
do condenado mas também a queda no cadafalso da forca). A
noite esfria rapidamente, minhas mãos procuram aquecer-se em
meus bolsos, encolho os ombros e protejo meu pescoço. O vapor
que sai de cada expiração, embaça-me os óculos e com a luz
mediana dos candeeiros públicos vou lentamente me
distanciando de marcos de cronologia e épocas. Ao longe vejo
meu restaurante preferido e resolvo entrar para comer uma
salada. Logo sou recebido por uma simpática jovem, sem deixar
de notar no meu campo visual 4 senhoras sentadas à mesa muito
próximas de mim e percebo que me olham. Peço uma mesa para
jantar e a jovem me indica uma por trás das senhoras. Dirijo-me
à mesma e percebo uma écharpe caída e me abaixo para pegá-la
ao mesmo tempo que pressinto que fora deitada ao chão
propositalmente. Levanto-me para entregar a senhora a sua
indumentária e esta agradece olhando-me no fundo dos olhos.
Senti um misto de tontura e perda de energia. Sento-me e
resolvo contrariamente ao meu hábito, escolho um lugar de
costas para a rua mas frontalmente à mesa das 4 mulheres.
Típicas escocesas, na faixa dos 40 anos de idade, obesas, duas
louras e duas com cabelos vermelhos. Os cortes de cabelo
assemelham-se, por serem curtos expondo a nuca. Apesar de
outros clientes (um casal numa mesa à esquerda e três jovens
orientais ao fundo) as atenções dos garçons estava nas 4
senhoras. Bebiam jarras de cervejas, falavam alto e o forte
sotaque escocês, sua inflexão nas orações, e o falar e gargalhar
simultâneo me remetiam a estar presenciando o encontro de 4
bruxas saídas de algum conto medieval. O prato de uma delas
chega e antes das amigas saboreia o pene, fecha os olhos com
expressão de verdadeiramente estar seduzida pelos sabores. Me
olha fixamente e sinto novamente uma nova confusão mental
como sendo sugado de minhas energias. U segundo
encantamento? Começo a beber minha bebida e tudo ao meu
redor começa a se apresentar com outros cheiros, outras cores, a
vela colocada em minha mesa tem uma chama oscilante apesar
de não sentir vento algum. Uma névoa esverdeada toma conta
do ambiente e percebo vestimentas diferentes em cada um dos
personagens deste enredo. Surgem tatuagens nos jovens
orientais e já estão todos vestidos de negro, com expressões
bem vincadas a comerem algo que parece-me ainda estar vivo, a
mexer-se. O casal a minha esquerda vibra um erotismo
carregado de luxúria, envoltos numa névoa cor de vinho. Não
desviam os olhares um do outro e parecem estar em transe. De
alguma forma parece que tudo está sendo orquestrado pelas
quatro bruxas que com suas risadas estridentes estão
convocando poderes das mais profundas e densas origens.
Edimburgo foi considerada pela UNESCO a primeira cidade
da Literatura. Um dos mais impressionantes monumentos da
cidade é uma homenagem ao poeta Sir Walter Scott. Diversas
pequenas e inebriantes livrarias com seus cheiros e pó
característicos que seduzem os amantes de livros. Seus
habitantes vivem intensamente suas poesias, seus romances e
suas lendas e fábulas.
Tudo em Edimburgo remete-nos à abstração, à ficção, aos
detalhes escondidos nos becos, com memórias de serial killers,
de poltergeiters, de Hogwarts e seu Harry Potter.
Em resumo, Edimburgo se apresenta como uma belo livro,
com belíssima e rica capa! Mas o mais belo está em suas páginas
mas há que se abrir e percorrer. Voltarei com certeza!